quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Os cinco sentidos de nascer...

Sala escura. Pessoas desconhecidas vestindo máscaras e aventais próprios. Alguns de óculos. Os olhares por cima da mesa são confiantes e confiáveis. O barulho dos batimentos cardíacos é sentido ao longe. O tu tu tu é constante. Ele tem cheiro de angústia. Cara de espera. Barulho de silêncio. Gosto de medo.

Não basta a mãe sentir dor, o pai, com dedos acalentadores segurar firme em seu braço. Nada muda. O sentimento é de um nascer iminente. De uma vontade eloqüente de ver sua carinha, de sentir o seu cheiro, de abraçar forte bem fraco, de olhar o olho, boca, nariz e corpinho. De achar os genes semelhantes em segundos. 

Nascer não pode ser classificado como verbo intransitivo e ponto. Nascer é algo divino. Algo maior que qualquer explicação. Os sentidos neste verbo são tomados por sinestesias constantes e completas.

Sentidos únicos, completos e inabaláveis são inexistentes. São sentidos de um projeto inacabado. Os sentidos em uma grande ação são misturados como em uma batedeira. Eles mudam de forma conjunta, como o movimentar de átomos em uma grande molécula. Mas, diferente dos átomos, eles se agrupam a qualquer deles que se chocam. Assim, temos cheiro de medo, cor de amor, gosto de incerteza, sensação de frescor. Isso é o que torna verbos simples em verbos completamente rearranjados. O verbo nascer pode ser visto de várias maneiras. Tratei de estudá-lo.

Uma doença nasce. Um livro nasce. Um trabalho nasce. Um projeto nasce. Uma idéia nasce. O pensamento nasce. Mas, para morrer, basta ter nascido. Nada que nasce fruto de uma facilidade incrível durará muito tempo, penso eu. Para nascer, maiusculamente falando, precisa doer.

Basta o filho nascer, o projeto nascer, o trabalho nascer, para se tornar real. Tornar algo inimaginável, possível. Verdadeiro. Palpável. Aí acabou. Não tem o que segura, o que proíbe. O que cancela. Não se amassa e joga no lixo um nascer. Sem nascer não há sonhos. Não há cheiro de florzinha brotando. É isso. O nascer cheira flor brotando. Um cheirinho de dama da noite às seis da tarde no meio a carros correndo perto da casa da vó. Cheiro de padaria de cidade de interior quando o pão está saindo do forno. Cheiro de alegria, de realização. Mesmo um nascimento inesperado tem cheiro de alegria. Já percebeu? O nascer suspira. Passa de um cheiro de frio na barriga, cheiro de angústia, para uma sensação de bem-estar completo. De nirvana.

O nirvana é também alcançado quando passamos do cheiro para o gosto. Seria fácil nascer se tivesse apenas gosto de vitória. O gosto de nascer é algo fenomenológico. Não é de tutti-frutti o gosto do nascer. Podia até ser de alcassus. Mas, jamais de tutti-frutti. Parece gosto de dúvida. De espera. Para nascer completo precisa de aprovação. E o gosto do nascer passa bem perto da sensação de completo. O nascer tem gosto de beijinho. De abraço. Pode ter gosto até de namoro apaixonado na praça com medo de levar uma bronca. Tem gosto de frio na barriga. 

Quando o ovo quebra e o pintinho está fazendo a maior força para sair, mas ainda nem apareceu, quando a idéia está no campo do inconsciente ou quando a mãe está escutando o silêncio do bloco cirúrgico. O mundo continua a mil, mas aqui tudo vibra em câmera lenta, todo o mundo anda devagar e, nada, mais nada, vem à sua cabeça a não ser o nascer iminente. Algo assustador. A mão do pai, o pedacinho de casca, o sacudir de idéias, tudo isso é imperceptível quando o mundo parece estagnado. A sensação é de esfregar os olhos, pedir um beliscão. Olhar o horizonte após sair da gasta casca é como ganhar um abraço de quem você ama. Chorar não seria nunca a audição do nascer. Mais fácil ter gosto de tutti-frutti a chorar ser audição disso tudo. Chorar é o único sentido palpável de um nascimento. É a única certeza. E se não consolidar é porque morreu. Não nascera, portanto. Chorar parece muro de chapisco. Você tem certeza que arranha, mas jamais deixaria de colocar a mão para reconhecê-lo.

O emaranhado de sentidos surge mais uma vez quando pensamos no que é ver o nascer. Enxergar o nascer talvez seja a consolidação de todo e qualquer sentido possível. Talvez fique a cargo do sexto sentido. Talvez enxergar o nascer seja impossível. Os sentimentos misturam de tal forma que nenhum deles permite concretizar o ato. Você não enxerga nada. O nascer é escuro. É preto. É lembrança e memória. Você se lembra pouco tempo depois. Não de tudo, mas fatos isolados permeiam sua cabeça.

Para finalizar o sino badalando várias e insistentes vezes é o que se pode ouvir ao ato de nascer. Ou ser nascido. Nunca fui pintinho, não me recordo quando nasci, nem tive filhos ainda, mas existem idéias que nascem constantemente. Elas morrem muitas vezes, confesso, mas foram várias as vezes que me deparei com alguns desses nascimentos.

Se o nascer fosse pessoa. Ele seria loiro. E seria negro. Não seria grande, mas passaria longe de pequeno. Suas roupas seriam largas, com cores primárias e fortes. Teria uma boca que variaria constantemente, como aquelas do símbolo do teatro. Nariz fino e grande, olhos escuros. Expressão mista na cara. Generosidade. Voz alta e calma. Cabelos compridos e anelados. Seria homem o nascer. Um homem meigo. Mas firme. Não seria tão antagônico como vocês estão pensando. Nem tão perfeitinho como eu sonhara. Ele seria cruel às vezes. Teria a atração sexual como lei reprodutiva; a fome como necessidade alimentar; o gostar de ler como necessidade psíquica; a curiosidade como necessidade investigativa e o desejo de aproximação com os outros semelhantes como necessidade gregária da espécie. Sim, o Nascer seria Homo Sapiens.

Desculpem o tamanho do texto. Acho que entrei tanto no assunto que acabei empolgando...

A sensibilidade e a cestinha do Gustavo

Não bastasse a roupa branca, clara e estalando de limpa, a carinha boa e a delicadeza e educação, tive eu, também, o prazer de entrar e sair do Credi Real e me deparar com Sô Segundo. Não só do Credi Real, mas de casa, da “parati” vinho, do opala, da fazenda. Não uso a mesma roupa branca, não carrego a cestinha como o Giovani, mas acredito que o tesouro valioso do qual o Gustavo falara outrora, aquele tesouro que muitos carregaram em suas cestas, aquele que o Giovani carrega, esse sim, também o carrego. O meu não vem na cestinha, apesar dela também fazer parte de minhas lembranças infantis. O tesouro eu carrego no coração. E o Sô Segundo, para mim, tratado e chamado com tanto carinho de “Vovô” é o responsável por esse tesouro que carrego.

Muito feliz eu fiquei, aqui em Belo Horizonte em poder ler palavras tão lindas de um artista, querido e importante na cidade de Passos, que desde pequena lembro, também entrando e saindo do Credi Real, com uma irreverência particular mesclada a uma sensibilidade sem tamanho.

O texto escrito por ele em sua coluna de sexta-feira, dia 8 de agosto, do jornal Folha da manhã, sensibilizou a todos em nossa família. Ela viajou para Belo Horizonte, Taubaté, Lavras, Itajubá, Franca. Foi a todas as cidades que o Sô Segundo, com sua cestinha de sonhos deixou algum familiar.

Sensibilizou a mim, que tive o prazer de ler domingo à noite, quando minha mãe retornava de Passos, emocionada com as palavras de Gustavo. Fez com que eu escrevesse essas palavras, muito agradecida ao Gustavo, por ele ter tamanha sensibilidade e tamanho carinho com o Sô Segundo, Giovani e sua cestinha. E ainda ao meu avô querido, com a sua cestinha e com os nossos sonhos e esperanças que dentro dela, mesmo que na imaginação, carregamos.

Texto enviado ao Gustavo Lemos - em agradecimento ao seu, que está logo aí embaixo...

A cestinha de bambu do Sô Segundo Sulmonetti

"Nada mais doce, romântico, bonitinho e curioso do que as cestas de bambu vindas das fazendas nos braços dos fazendeiros. Geralmente elas vem cobertas por um pano de prato deixando as pessoas aflitas para saber o que contém dentro das interessantes cestinhas. Meu vô Gustavo no Carmo do Rio Claro todas as vezes que vinha do cafezal trazia cestas grandes e pequenas e até balaios abarrotados de frutas e. Na rua do Colégio o mesmo acontecia com Sô Nestor Vilela Lemos descendo do jeep verde escuro coberto de barro no tempo das chuvas, me lembro do Sô Diu de chapéu e cigarro na boca chegando em casa e também carregando a tal cestinha.

O tempo passa, os critérios mudam, os valores modificam as épocas, a modernidade altera o comportamento humano deixando tudo frio, cáustico, ácido e metálico, mas a cestinha de bambu continua nos braços dos fazendeiros quando todas as tardes o sol mancha de um tom alaranjado bonito feito um poema de vida. Quantas vezes estou sentado na portaria do Credi Real, onde moro, e mesmo entrando ou saindo do prédio encontro Sô Segundo Sulmonetti carregando a mesma cestinha das minhas lembranças infantis e tudo volta como um sonho.

Sô Segundo sempre de chapéu, roupa clara estalando de limpa, carinha boa, sóbrio e educado tratando a todos com delicadeza e educação. O interessante que o neto Giovanni que ajuda o avô na fazenda, também carrega a cestinha como o avô como se levasse nos braços um imenso tesouro. Laranjas, limões ovos, verduras e muita vida, são esses os ingredientes das cestas de bambu que Sô Segundo Sulmonetti tenha sempre em suas mãos a cestinha de bambu mágica repleta de esperança."

Gustavo Lemos - para Folha da Manhã - 08/08/08

Assunto velho, mas vale...

Já passava das seis da tarde quando estacionamos o carro. Foi aqui que senti aonde havia chegado. Estacionamento cheio, inflacionado e colorido. O Mineirão reluzia e, verde e amarelo, sim, eram as cores. Luzes de todos os ângulos coloriam aquilo que seria um espetáculo grandioso.

No final da “Catalão” já se podia perceber o clima. Bandeiras, cornetas, buzinas, policiais, tudo preparado. Tudo certo. Tudo perfeito. A escultura, que o nome agora me fugiu, estava colorida. Ela voava rumo ao campo.

E com ela, todos voavam. Adentrei o estádio já eram quase sete e pude perceber muitas diferenças que ficarão para sempre. A forma com que tudo acontecia, os mínimos detalhes olhados, ajustados. Prontos.


Tudo era belo. O Mineirão ia enchendo aos poucos, quando nada menos que Pedro Bial anuncia o início da festa. Acredito que todos estavam ali mais pela festa, pela alegria, pelo glamour. O jogo, ah o jogo! Sim, importava, mas era coadjuvante naquela peça há muito programada.

Que Aécio Neves não dá ponto sem nó novidade não é para ninguém. Mas, chega de delongas e vamos ao que interessa. Oito horas. Rogério Flausino e sua trupe entram, cantam algumas músicas, empolgam alguns torcedores, mas talvez eles tenham atuado como o Brasil. Na retranca. Pedro Bial volta, anima um pouco a torcida, que ainda acanhada esboça um “leleô”, em meio a hinos e música de clubes mineiros. O Pelé é homenageado e com ele, nada mais esperto e pensado, entra o mestre da festa. O verdadeiro Rei da noite. O governador, depois de festa nas Mangabeiras, de calça jeans e tênis, como todo bom torcedor.

Agradecem os reis. Pelé fala pouco, para alegria de todos. Aécio, também pouco, porém, palavras de um disco arranhado que ninguém, nem a criança de colo que há poucos metros de mim estava cansou de ouvir. Não que todos apóiem, mas vindas dele e não de Fernanda Montenegro são mais esperadas. Sim Brasil, Minas Avança.

Chegou a hora do jogo. Seria melhor pular essa parte, mas como todo bom jornalista tentarei descrevê-lo. De forma curta. Rápida. Objetiva. Vamos lá. Dunga, coitado, começou com um time que podemos pensar: dos males o menor. O time jogou bem, correu, seria uma belíssima atuação não fosse do Brasil, que estivéssemos falando. Para a seleção da Romênia, jogasso. Como o Dunga, a seleção de anões, pouco criou. Adriano jogava, como um bonde, corria, suou a camisa e foi substituído. Ao contrário de Robinho, que estava mal no jogo e ficou até o final. O nome de Pato foi gritado várias vezes e, o único pato que fez parte da festa fora ele: Dunga. Que teimou, não deu espaço para o menino, colocou Luis Fabiano e fora chamado de “burro”, “jumento”. Músicas como “adeus Dunga” foram clamadas algumas várias vezes. 

Para mim, isso não seria necessário se pensássemos que ele está ali como um mascote. Como um representante morto e nulo de Ricardo Teixeira. Que, como todos sabem, prefere um técnico omisso, sem tanto preparo ou força de briga, de enfrentamento. Porque Wanderley Luxemburgo não assume a seleção? Por esse mesmo motivo. E, ainda cito: Muricy Ramalho, Mano Menezes e vários outros. Porque eles não estão lá? Dunga jamais fora técnico de nada. Conversando na saída, a caminho do carro, escuto uma outra boa frase: “Calma, o que esperar do Dunga? Ele nunca foi técnico de nada, nem de informática, como vai coordenar a seleção? Como vai explicar o que deve fazer um Alexandre Pato, um Robinho, um Adriano?” Bom para o melhor jogador do mundo, que segundo o técnico, não faz falta alguma à nossa seleção. Que não é minha. É dele. Bom para ele que está curtindo o filho e rindo às escuras.

No intervalo, foi a vez de Skank. Cantaram pouco tempo. O bastante para serem chamados algumas vezes pelos torcedores, a fim de trocar o futebol “tão esperado” pelo show novamente. O que não teria sido nada ruim. Daria Brasil. Só aqui daria Brasil. Apesar de bicho de boca grande não entrar, Gal Costa também foi à festa no céu. Cantou o hino assim, do jeito Gal de ser. Bonito. Deu para arrepiar.

E foi com tristeza e um tom de revolta que os torcedores “mortais” deixavam, aos poucos o Mineirão. Os “incríveis” continuariam ali por algumas horas. Seguiriam para outras festas. Conversariam sobre tudo. Escutariam diversos assuntos. Apenas um era proibido: o futebol. Não pela tristeza da atuação, mas pela sua real importância.

Algumas dúvidas pairaram sob minha cabeça. Porque Aécio e seus súditos esqueceram de trabalhar o marketing e o trabalho daqueles 11 que ficaram tentando correr por 90 minutos? Ele cuidou de tudo. Preparou como um chefe prepara seu prato predileto. Faltou algum ingrediente. Até o juiz, dos 3 pênaltis, era o mesmo. Acho que o apito dele mudou de lado. Riquelme bateu mais de seis vezes sua temida falta. Mas, quanto à posição do gol e a força cósmica, não sei Aécio os contactou.

Quem sabe Minas abre a Copa de 2014? Fácil saber. Esperaremos as eleições de 2010. Aliás, não sejamos ingênuos. Esperaremos a confirmação de algumas poucas candidaturas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A volta do blog...relatos em vão...

Não fosse o tempo tão rápido e cruel, jornalista seria poeta. Não fosse o mercado inexplicavelmente competitivo, a primeira frase seria verdadeira. Não fossem frases como estas relatos soltos e sem importância alguma, não estaria eu aqui a refletir por bobagens.

Não sou poeta. Não sou cética. Nem mais sonhadora. Cansei de rabiscar palavras em prol de um motim incentivador. Cansei de cuspir palavras para que apenas eu as entenda ou sinta. Vida minha é para mim? Vida de ninguém hoje é para si próprio. Nem o mais egoísta é tão sozinho hoje. Se assim fosse, não seria egoísta, porque não o conheceríamos. Entendeu? Não? Nem eu...

Estou um tanto quanto relaxada em meus relatos, mas a dificuldade, não sei se só comigo é começar. Pode ser que a frase do pernilongo seja verdadeira. Comer e coçar, é só começar. Hoje até essa frase mudou. Qualquer coisa e coçar, é só começar.

Hoje todo mundo cresceu. Tudo cresceu. As frutas cresceram, as pessoas cresceram, tudo cresceu. Até a Turma da Mônica cresceu. E isso é de arrepiar. O Cebolinha agora é Cebola. Ele entrou numa de minha voz continua a “meusma”, mas os meus cabelos?

Vai explicar pro seu filho que “antigamente”, nos “anos 80” existia uma turminha, comandada por uma baixinha, que também era dentuça e gorducha que se chamava Mônica, que não vinha no computador, mas em revistinha, um papel colorido, pequeno e cheio de folhas, como um livro, mas de qualidade pior, e que era mensal, que podíamos assinar. Seu filho vai gostar se ele for, quem sabe...jornalista. Essa “raça” costuma gostar de escritas antigas. Para entender o estilo ou quem sabe a forma com que se fala com determinado público.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Nem só de passagem...

"Nós que passamos apressados pelas ruas da cidade merecemos ver as letras e as palavras de gentileza". Marisa Monte

O Hospital de Pronto Socorro João XXIII fica em uma área privilegiada de Belo Horizonte. É o que mais e melhor atende traumas em todo o estado de Minas Gerais. Porém, basta ficar lá em frente por algumas horas para ter visões nem tão privilegiadas assim. Nesse Hospital, são atendidos desde indivíduos de baixíssima renda, até os provenientes de camadas mais altas da sociedade. O que essas pessoas têm em comum?

Uma emergência.

E entre aqueles que vão e que voltam pra casa, entre aqueles que vão e que se dirigem para um outro lugar, entre aqueles que não vão a lugar algum, existe alguém que testemunha todas as entradas e saídas, mas que passa muitas vezes sem ser notada: a porta do João XXIII.

A porta de um hospital como esse já presenciou muitos acontecimentos marcantes. Ela viu cenas bem alegres e outras muito tristes, mas não se emocionou. Talvez porque ela é a soma das memórias e sentimentos de todos os médicos, pacientes, enfermeiros e funcionários do João XXIII. E, também, porque ela sente na pele as angústias e os prazeres dos pedestres, andarilhos e outros desconhecidos que passam na sua frente. Deve ser por isso que ela assiste a tudo, mas não derrama uma lágrima: ela já viu demais.

A identidade da porta do João XXIII se define através da personalidade de todos aqueles que entram e aqueles que saem. Todos aqueles que talvez nunca a observaram, aqueles que passam correndo no dia-a-dia, aqueles que encostam nela, dormem bem perto, aqueles que passam noites encostados e com frio. Ela, muitas vezes é ignorada. Quando perguntamos a muitas pessoas sobre seus detalhes, sim, aqueles que adentram correndo cumprindo mais um dia de trabalho, muitos não conseguiram responder nem sua cor. Talvez ela não tenha cor. Mas, principalmente, ela é constituída por aqueles que ali permanecem.

A porta desse hospital tem a mesmíssima simpatia do baleiro que chega ali às 5 horas da manhã, ainda escuro, e que só vai embora depois de atender milhares de pessoas todos os dias. Não é que a porta tenha assimilado as características do Sr. Dirceu. Foi o Sr. Dirceu que assimilou o jeitinho de ser da porta. O baleiro, ao passar seus dias, suas tardes e muitas das suas noites, em uma jornada de trabalho maior do que de qualquer médico, em frente àquele hospital, acabou virando porta. Ao entrar e ao sair, é preciso passar por ele (“chiclete, pipoca, cafezinho, refrigeranteeee?”). E é por isso que se um dia o Sr. Dirceu mudar de ponto, a porta do João XXIII vai perder não apenas mais uma de suas mil pessoas, vai embora uma parte de si: pois aqueles que freqüentam esse hospital, vão sentir a falta de algo (mesmo que eles não saibam exatamente do quê).

Aquela barraquinha verde, em frente a uma porta, jamais seria tão marcante se estivesse em outro lugar. Sr. Dirceu já viu de tudo. E como a porta, não mais se emociona. Os policiais, motoristas de ambulâncias, toda a equipe que com a ambulância caminha pela cidade, eles mudam de ponto, de hospital, de lugar. Mas, muitos deles não são notados. Não incorporaram aquela vida de Sr. Dirceu, aquela vida de porta de um hospital de urgência.

Não é só o Sr.Dirceu que trabalha em sua barraca. Duas filhas também o ajudam. “É que meu pai já está ficando velho, ele não reclama, mas desde pequenas vemos a sua cara, ao chegar em casa altas horas da madrugada”. Mas, não precisamos de lupa, para perceber que as características da porta só afloram no dono do “estabelecimento” como ele mesmo chama.




É por isso que as pessoas não percebem a porta, o Sr. Dirceu, e até mesmo algumas de suas peculiaridades. Com uma média de mais de 450 pacientes atendidos por dia, ou quase o dobro desse número em feriados prolongados, em 34 anos de existência mais de quatro milhões e meio de pacientes já adentraram as portas daquele hospital. Ela já não sente mais. Está cinza. Cansada. Como o Sr. Dirceu de Alvarenga, 64 anos, pai de 4 filhos, casado há 42.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Mais transformações

Uma pessoa da qual me admiro muito disse em salas de aula: "Se quiser entender como esta tudo acontecendo tão rápido e essa transformação é visivel a todos, pergunte a uma criança e a um velhinho sobre tecnologia, sobre computação". Com toda certeza a resposta será assustadora. Sua avó fica á frente da televisão o dia todo, costurando, bordando, e assistindo todos os programas da mesma emissora. Talvez nem do controle remoto ela faca uso. E a criança? A criança tem vários brinquedos que só faltam falar. No computador elas entendem de tudo, procuram novidades, mexem, sem medo ou estranheza. E assim será, cada dia mais, cada hora mais.

As minhas pesquisas para meu projeto experimental, de conclusão de curso, me levam a alguns pensamentos e indagações interessantes. O presidente da Ira fez um blog e comunica com o mundo. Comentários interessantes como o de uma mãe americana desesperada porque tem um filho soldado no Iraque; trazem ainda mais indagações. Ate o presidente do Ira tem um blog. Acreditem. E porque eu, uma simples mortal, sem credibilidades jornalísticas ainda, leiam ainda, não posso ter o meu? Comecemos por aqui. Interessante seria um sistema de cotas para os blogs, alguns diriam. Mas não para negros, mas para as credibilidades alheias. Assim, perderíamos mais uma das nossas conquistas. O Noblat pode ter um blog. Todos vão ler, gostando ou não. Mas e o recém-formados? E o formados em qualquer outra coisa? E os que nunca vão formar? Todos podem escrever sobre o que quiserem, sobre o que lhes for agradável. Ou sobre o que não os for. E é assim que funciona esse novo mundo. De vento em popa. Saindo do forno todos os dias novos formatos e gêneros.

Quando era ainda adolescente, estudando a história do país, sonhava, perguntava aos meus pais sobre a época da ditadura e sempre, mas sempre mesmo, sonhava em como seria ter vivido naquela época. As repressões estudantis, a censura. Uma transformação assustadora ocorrera no país e, agora vivemos outra, só que em uma escala global e a uma velocidade estonteante.